O espelho do meu banheiro é meu melhor amigo. Sempre que olho para ele, e em alguns momentos de forma mais demorada – ao acordar e fazendo a maquilagem – , o que vejo me desperta imensa satisfação. Aliás, desde bem jovem, sempre gostei e me orgulhei do que via no espelho. E o que vejo exatamente? O reflexo de uma mulher jovem, sem rugas, de pele lisa e radiante. Uma jovem mulher, para ser mais exata.
Quando comentei com alguém essas impressões, minha interlocutora (sim, só mulheres notam essas coisas) pontuou a seguinte pérola: a natureza é tão generosa, que aos poucos vai nos privando da visão perfeita, evitando assim que vejamos as intempéries do tempo em nosso rosto.
Faz sentido. Mas não invalida a percepção que tenho ao me olhar. Apenas uma ressalva: essa imagem benevolente só fica disponível para mim num único cômodo: meu banheiro. No restante da casa, onde felizmente tenho poucos espelhos, ela não é tão magnânima assim. E às vezes, muito de vez em quando, me deixa inquieta.
Semana passada completei 68 anos de idade. É um bocado de tempo, de rugas, flacidez e marcas de tantos anos vividos. E tudo instalado num rosto mal acostumado. Porque, é claro, meu amigo me dá, no máximo, uns 50. Às vezes até menos. Ele me elogia em silêncio, não me culpa pela indolência nem pela falta de cuidados.
Sou de uma época em que não existia filtro solar. Nem se falava do buraco na camada de ozônio. Tomávamos sol no rosto sem nenhum pudor, e ainda passávamos óleo bronzeador para acelerar o dourado de verão. A pele ficava tão radiante que nem precisava de maquiagem. No máximo um batom.
O reflexo do espelho, dessa época. me acompanha até hoje. Claro que houveram algumas ocasiões, poucas, em que ele deixou um tanto desapontada, até com raiva. Mas nesses mais de 60, quase setenta, posso dizer que além de amigo, ele sempre foi uma âncora. Era ele, e ainda é, quem me coloca pra cima, que me sussurra palavras de estímulo, e diz, todos os dias que a vida, a vida sempre foi muito generosa comigo.
E nele está escrito com batom vermelho: Sou grata!.
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